segunda-feira, 7 de julho de 2008

Nunca mais os enfeites

Há muito tempo que não apareço aqui no blog e tenho minhas razões para isso. Prometo voltar a publicar, não porque eu acredite que haja uma massa de leitores aflitos pela volta dos meus textos (e realmente não há), mas sim porque PRECISO mesmo rolar umas palavras soltas nesse espaço que é, de certa forma, todo meu. E, ademais, ultimamente as coisas (=vestibular) têm me deixado tão atarantado, que não garanto literatices sempre, nem textos muito criativos ou bem feitos. Sem muitos rompantes poéticos. É que eu acho minha vida tão sem-graça que sinto necessidade de enfeitá-la. Pois bem; vamos a ela sem os enfeites - e você acabou de ganhar uma frase pseudo-machadiana.


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Primeiro, preciso dizer que estou de FÉRIAS. Acho que nunca esperei tanto por férias, por um respiro, por uma volta à superfície tranqüila, por mais efêmera que seja. Estou vivendo, nos últimos dias, a mais perfeita mordomia: tenho lido só o que eu quero (como é bom!), assistido só ao que eu gosto, ido só aos lugares que eu costumo ir e, acima de tudo, dormido mais de dez horas/noite. É pra cristão nenhum botar defeito.

E hoje à tarde, no auge de um domingo ausente de sentido (como todos os domingos), resolvi largar-me numa ociosidade bastante produtiva: sentei-me no chão, abarquei com as pernas uma enorme caixa de papelão e resolvi separar jornais e revistas. Decidi separar os jornais dos últimos meses para ler, recortar as colunas do Cony e do Ferreira Gullar da Folha Ilustrada, ler a Bárbara Gancia (que está ficando cada dia mais sem graça) e o José Simão. Incrível: tenho um secreto prazer em ler notícias antigas, até porque, depois de acontecidos, a nossa visão dos fatos é bem mais crítica. O que há é que, nos últimos dois meses, não tive tempo de ler jornal. Não tive tempo de nada, nem de viver direito, sequer ler jornais. E se mal tive tempo de ler o suplemento político, imagine o cultural - e imagine ainda o fútil!
Mas estive organizando os jornais e revistas. Recortei o que me era interessante/útil, mas também me prendi ao que fui encontrando de divertido. Folheei várias revistas Isto É Gente da minha mãe, que datavam de 1999, 2000, 2001... Li as matérias mais interessantes e as menos também. E sinceramente não entendo porque a Isto É Gente, ou seja lá quem for, organiza uma festa dos "50 mais sexies (sic) do Brasil"? Acho legal ver gente bonita ("gente bonita é um tição/ que atiça a vida do coração", já cantava a Marina Lima), e acho degradavelmente engraçado ver as pessoas se prostituírem por duas linhas, corpo cinco, num pasquim qualquer. Mas precisa fazer uma festa? Coisas da Isto É. Só não consegue ser pior que a Caras, com aqueles quatrocentões falidos, que tiram fotos nas coberturas do Morumbi, sem um puto no bolso.
Fui empilhando as revistas, que eram incrivelmente muitas, e quando já estavam organizadas, voltei a olhar as que mais me chamaram atenção. Particularmente, adoro entrevistas (esses dias, vi um livro muito bom na Fnac, algo como “A Arte de entrevistar”, com entrevistas históricas de Freud, Drummond, Greta Garbo, F. Scott Fitzgerald... eu, como sempre, sem dinheiro, não comprei...). Então fui ler as entrevistas da Isto É Gente, com pessoas até razoáveis, do quilate de Jô Soares (não sou fã, mas sorrio levemente com ele nas minhas noites sem sono), Fernanda Montenegro, Regina Duarte (?), Marília Gabriela, etc.
Assim como gosto de entrevistas, gosto também de biografias. Ou seja, gosto de vidas, de histórias contadas. Se gosto das ficções, gosto ainda mais da realidade, por mais monstruosa ela possa parecer às vezes. Assistam ao “Edifício Máster”, do Eduardo Coutinho e verão o que alguém chamou de “força misteriosa da vida”. Mas é fato que gosto de vidas contadas. E não deve haver coisa melhor do que ter vida, ter essa matéria fluida, essa matéria-vida, que os escritores vão buscar todos os dias, porque talvez a verdade não seja, de todo, convincente. Poder contar a sua própria vida, desde que esta seja realmente apreciável, é motivo de orgulho. Na entrevista da Fernandona, ela falou do TBC, do Grande Teatro Tupi, do regime militar, dos momentos difíceis, e entre as belas palavras dela, adocicadas an-to-no-má-sias do tipo “primeira-dama dos palcos”, “rainha da dramaturgia”, etc. Na entrevista do Jô, a repórter perguntou: “Jô, me diga uma coisa que você não saiba fazer”, ao que ele respondeu que não dirigia bem. Prosaico, no mínimo.
Mas aí chegamos ao cerne existencial do dia, ao que me moveu a escrever esses texto e o que tem me perturbado desde que empilhei as revistas Isto É Gente. Todos nós sabemos que a Fernanda é realmente a primeira-dama dos palcos, que ela é um poço de talento, sensibilidade e inteligência, mas daí que no pequeno perfil biográfico que sucede à entrevista, dizia que aos 16 anos, ela passou num concurso para ser rádio-atriz na Rádio MEC e ali conheceu jovens da UFRJ, que integravam um grupo amador de teatro. Com 20 anos, foi a primeira atriz contratada pela TV Tupi de São Paulo e o resto a gente sabe. A questão toda que surge disso é: tenho 17 e não há nenhum concurso de radialista para mim. Nem para ser radialista nem para ser nada.
Essa experiência com as revistas só me deprimem: se por um lado não sou e nem serei um dos “50 mais sexies (sic) do Brasil, do universo, da galáxia...”, não sei se minha vida será contada algum dia em algum almanaque por aí. Se será suficientemente interessante, trágica ou bonita, admirável ou reprovável, para ser impressa em algum jornaleco, em corpo cinco. Se será preciso enfeitá-la demais, cobri-la de palavras bonitas, de panos, véus. Ou então, serei apenas mais um rosto, desses que se perdem nas estradas, nas ruas, cuja vida não é interessante ou interessável: existem, sobrevivem, lutam, amam. São bem mais felizes assim, creio eu. 
O Caio tem um conto em que a personagem decide que no dia seguinte ia começar a fumar. O amanhã é o dia das grandes coisas. Preciso fazer algo amanhã, amanhã no sentido metafórico: preciso fazer algo realmente bom logo. Acho que havia uma propaganda da Mackenzie que falava disso, de fazer alguma coisa notável. Ou é só “Keep Walking” mesmo? Não sei. Mas preciso começar a construir minha biografia, a moldar essa matéria mole que é a vida, intangível, mutável.
Se alguém tiver uma sugestão de “ação notória”, avisem-me. Já é hora de fazer algo e quebrar a letargia. Não que eu tenha complexo de mediocridade. Mas sei que para nascer, é preciso quebrar o ovo.
Então, lá vamos nós. Sem os enfeites, a partir de hoje. Nunca mais os enfeites. 




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Para começar a semana, “Pétala” na voz da Gal Costa. Bálsamo. Nesse fim de semana, ouvi umas oitenta vezes. SÉRIO. É absurdo, é lindo demais.


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Abraços,
Marcos Vinícius Ferrari

10 comentários:

ETERNA APAIXONADA disse...

*****

Que bom! Voltou com força total!
Muito bom te ler!
Aproveite as férias!
Ótima semana Marcos!
Beijos

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Anônimo disse...

Regina Duarte me lembra coisas boas *cruza as mãos no peito*.

Amandette disse...

demorou pra voltar a postar, hein!
A Gancia é um porre e o Zé Simão, geniarrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrl!!!

Vou linkar vc lá... valeu pelos seus comentários, eles enriquecem o espaço! ;)

bjo!

Jorge de Barros disse...

"Somos os filhos do meio da história" disse o Tyler...
Tenho 27 e não tenho a resposta.
Talvez a pergunta seja tudo. Talvez não precisemos de nada além da pergunta?

JdB

Anônimo disse...

No fundo, as respostas às perguntas são bem mais simples.

O que falta é

Anônimo disse...

No fato, as respostas às perguntas são bem mais simples.

O que falta é

Unknown disse...

Estava passeando por outro blog e vi seu link... Ainda bem que resolvi entrar!
Acho que escrever, expressar seus sentimentos e pensamentos já é uma ação notória... Afinal, escrever BEM é um dom.

Parabéns por seus textos.

Jéssica Cruz disse...

Quando eu for uma jornalista, prometo que escrevo sobre Marcos Vinicius Ferrari, espero que eu tenha palavras tão belas quanto as suas.

Anônimo disse...

Tem presente pra você no meu blog ;)

Sheila C.S. disse...

Cheguei até aqui pela comunidade da Amélie - "Publique seu blog"... Pois bem... Gostei de seus escritos e voltarei sempre. Estou a adicionar em meu blog também! Edifício Master, aquele mosaico de vidas... Acho lindo! Porque é o comum, porque mostra como o comum é denso e talvez não seja preciso nada de notório. Começo a me convencer cada vez mais que na grande maioria das vezes o que não aparece, o que não está estampado aos olhos da grande maioria tem sua razão de ser, enfeites escondidos talvez...