segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

(Carlos Drummond de Andrade, do livro Sentimento do Mundo)

Um comentário:

nina g. disse...

Como você mesmo dissE:

'Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.. e o que fazer? amassar e jogar fora? cuidar? jogar pro alto? brincar?'

lindo poema...